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94º ANIVERSÃ?RIO DA REPública PORTUGUESA
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[discurso proferido por Luis M. Mateus, presidente da Associação
1. SAUDAÃ?Ã?O
Queridos concidadãos e amigos,
Represento aqui a recém criada Associação CÃvica Republica e Laicidade e, nessa qualidade, gostava de vos dizer que é de forma muito empenhada que estamos, hoje, convosco, a participar nesta jornada de celebração da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910.
A começar esta intervenção, quero agradecer o honroso convite que nos trouxe aqui, a esta iniciativa, à Comissão Permanente dos Centros Republicanos – aqui representada por Maria Helena Corrêa, a sua Secretária Geral – e ao Executivo das Comemorações do 5 de Outubro – aqui representado por Liberto Cruz, o seu Presidente, e por Maria Helena Carvalho dos Santos, a sua Vice-Presidente.
Ã? com muito orgulho – volto a afirmar – que a Associação CÃvica Republica e Laicidade se reune, hoje, aos Centros Republicanos para, conjuntamente, assinalarem mais um aniversário da data do estabelecimento da Republica em Portugal.
A iniciar esta minha intervenção, quero fazer aqui uma especial saudação a todos vós, bem como aos demais companheiros que, hoje, por todo o paÃs, connosco estão a emparceirar nesta jornada comemorativa da Revolução de 5 de Outubro de 1910 e, recordando a fórmula então muito em uso, quero formular aqui o voto de Saude e Fraternidade para todos os bons republicanos portugueses.
Mas, ao saudar assim os nossos companheiros vivos, não posso deixar de também evocar o grande combatente republicano que foi Ramon de LaFéria, recentemente falecido, e de lhe prestar, hoje, aqui, a mais sentida homenagem, recordando, convosco, o muito que todos nós lhe devemos.
2. A ASSOCIAÃ?Ã?O REPública E LAICIDADE
Para vos fazer uma breve apresentação da jovem agremiação a que pertenço – e que está, evidentemente, aberta aos contributos de participação de qualquer um de vós – gostaria de vos dizer que a Associação CÃvica Republica e Laicidade foi formalmente constituÃda, a 31 de Janeiro de 2003, com principal objectivo de pugnar pela promoção e pela defesa dos Ideais Republicanos e do PrincÃpio da Laicidade na organização dos Estados [e do Estado Português, em particular] tendo em vista a construção de uma sociedade aberta, inclusiva e solidária, designadamente, pela promoção e defesa da absoluta igualdade de todos os cidadãos perante a lei (…), pela promoção e defesa da absoluta neutralidade ideológica, filosófica, confessional e religiosa do Estado, e particularmente da clara separação entre o Estado e as Igrejas ou confissões religiosas, bem como o combate intransigente a todo e qualquer regime de discriminação ou de privilégio (…) e pela promoção e defesa de uma cidadania centrada no indivÃduo e fundada na sua inteira e absoluta liberdade de consciência (…) (1).
Para melhor vos esclarecer das perspectivas defendidas pela Associação CÃvica Republica e Laicidade, deixem-me recordar aqui algumas das suas orientações fundamentais:
A Republica – que vem da expressão latina «res publica»: coisa de todos ; tudo aquilo que pertence (que toca ou que interessa) à totalidade dos membros de um grupo social humano – assenta numa concepção optimista e progressista da História do Homem, num entendimento universalista e humanista da dignidade do indivÃduo e funda-se na trilogia programática – porventura utopista – da Liberdade/Igualdade/Fraternidade que aspira promover entre todos os Seres Humanos.
A Republica constitui, assim, um sistema político que procura organizar racionalmente a sociedade em função do interesse geral e da justiça social, um sistema político que visa assegurar, simultaneamente, a igualdade cÃvica dos seus membros e a sua máxima liberdade individual.
Desse modo, em Republica, para garantir uma paz que assente na coesão e na harmonia sociais, entende-se que os direitos, quer individuais, quer colectivos, dos cidadãos se devem subordinar ao interesse geral e, consequentemente, que as crenças e convicções religiosas ou ideológicas dos seus membros – crenças e convicções que são sempre pessoais, que pertencem ao domÃnio individual privado de cada um – , ainda que socialmente maioritárias e com livre expressão no espaço publico, não podem ser, por forma alguma, impostas a toda a comunidade.
A Laicidade – do grego laos/laikos que significa povo, todos, o todo social referido à totalidade absoluta dos membros de uma sociedade humana – , visa subtrair o Estado à influência de qualquer grupo ou comunidade confessional ou ideológica, conferindo-lhe, contudo, a responsabilidade de assegurar que o espaço publico – o espaço de todos – nunca possa ser apropriado, em exclusividade, por nenhum sector dominante da sociedade, por maioritário que seja ; a Laicidade impõe-se assim como o modo de assegurar a liberdade e a igualdade de todos os cidadãos no acesso ao uso e fruição de um espaço comum – e portanto neutro – que o regime republicano pretende garantir (2).
Republica e Laicidade constituem-se assim como as duas configurações básicas, essenciais e imprescindÃveis, complementares e indissociáveis, que devem alicerçar a organização das sociedades modernas que aspiram a estruturar-se sobre um contrato social assumidamente humanista, progressista e racionalmente sustentável.
Ã? sobre estas simples – mas grandes – ideias que a Associação CÃvica Republica e Laicidade pauta a sua postura e intervenção na nossa sociedade ; contudo, perguntarão muitos dos nossos concidadãos :
- Que sentido prático efectivo poderá ter hoje, em Portugal, uma tal associação tão especialmente preocupada com as problemáticas republicanas e laicistas?
- Então Portugal não é, desde a revolução do 25 de Abril, um paÃs claramente republicano, democrático e laico?
- Então não constituÃmos agora uma sociedade assumidamente aberta ao futuro, a todos os futuros que possam ser democraticamente desejáveis e materialmente possÃveis?
- Então não somos hoje um paÃs ordenado por uma Constituição bem moderna e actual, que garante a todos os cidadãos o conjunto dos direitos e das liberdades fundamentais – tal como estão definidas na Convenção Internacional dos Direitos do Homem – e que até estabelece claramente a separação entre o Estado e as Igreja?
3. A REPública PORTUGUESA AMEAÃ?ADA
A verdade, meus amigos, é que, em nosso entender, no entender da Associação CÃvica Republica e Laicidade, essa apreciação positiva da situação actual da nossa sociedade é demasiado impressiva e ligeira – e até ingénua – , já que a actual realidade portuguesa não se nos apresenta, de todo, como um quadro pacÃfico e tranquilizador.
Efectivamente, ao invés de um processo que deveria tender para o reforço e aperfeiçoamento do nosso sistema democrático e do nosso regime republicano, designadamente pelo incremento e aplicação, em profundidade e extensão, do princÃpio da laicidade, a situação objectiva que nos tem sido dado observar, sobretudo ao longo dos ultimos anos, apresenta-se-nos, de forma bem distinta da desejável, como um metódico e continuado, ainda que frequentemente lento e subtil, processo de subversão do regime republicano restaurado com a revolução de 25 de Abril de 1974.
De facto, ao arrepio – em frontal violação, mesmo – das normas que enformam o nosso viver comum, em muitos aspectos do nosso quotidiano tem-se vindo a perverter o princÃpio republicano fundamental da absoluta igualdade dos cidadãos – de todos os cidadãos – perante a Lei e o Estado, tem-se vindo, afinal, a corromper, na sua essência especÃfica, o próprio regime republicano.
Esclareço com dois exemplos:
3.1. A PROMISCUIDADE ENTRE O ESTADO E A IGREJA
Apesar de a Constituição da Republica Portuguesa estabelecer que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado (…) e que as leis de revisão constitucional terão de respeitar (…) a separação das Igrejas do Estado (…) (3), temos, à vista de todos, a política sistemática de subsÃdio publico a actividades confessionais da Igreja Católica portuguesa, a abusiva presença de figuras gradas da hierarquia dessa mesma Igreja nos actos oficiais do Estado, a aposição de sÃmbolos religiosos católicos (crucifixos, imagens…) em edifÃcios publicos (escolas, hospitais…), a realização de actos religiosos (missa de Natal, comunhão pascal…) no quadro e no espaço da actividade pedagógica normal das escolas publicas…; tudo práticas correntes na nossa sociedade e que, diariamente, nos afirmam e confirmam que, afinal, só pode mesmo ser bom português quem for um bom e devotado católico!
Apesar de a Constituição da Republica Portuguesa estabelecer que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, lÃngua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social (4), temos hoje um quadro jurÃdico aberrante, onde uma inaceitável Lei da Liberdade Religiosa (5), em articulação com uma igualmente inadmissÃvel Concordata (6), estabelecem, por um lado, um regime especial, diferenciado – e subtraÃdo ao normal controle legislativo democrático (7) – para a comunidade católica portuguesa no seu trato com o Estado e, por outro, uma expressiva discriminação entre os portugueses, hierarquizando-os, entre si, conforme sejam crentes católicos e crentes não católicos; ordenando estes ultimos em quatro subcategorias de diferente graduação no respectivo reconhecimento oficial e na correspondente atribuição de benefÃcios e ignorando – desprezando, afinal – todos aqueles outros que escolhem não se assumir vinculados a qualquer crença religiosa.
3.2. OS PROJECTOS ANTI-REPUBLICANOS DE REVISÃ?O CONSTITUCIONAL
Mas, meus amigos, não é só nos atropelos ao princÃpio da laicidade do Estado e da igualdade dos cidadãos perante a Lei que encontramos graves agressões à nossa Republica.
Na verdade, bem recentemente (8), em iniciativa que foi mal apercebida pela opinião publica e sob o quase silêncio – alheado? cumplice? – dos demais partidos representados na Assembleia da Republica, os parlamentares da actual coligação maioritária (9), na sua proposta de revisão constitucional, preconizaram a supressão pura e simples do preceito da nossa Lei Geral que estabelece que as leis de revisão constitucional terão de respeitar (…) a forma republicana de governo (10)!
Procurava-se, por essa via, nada mais, nada menos que flexibilizar o princÃpio da irrevogabilidade do nosso regime republicano e, embora essa proposta não tenha produzido qualquer efeito prático, já que não colheu uma maioria qualificada de votos que a viabilizassem, ficamos a saber que, na nossa Assembleia da Republica, uma maioria de deputados não entende que a forma republicana de governo – tal como a separação das Igrejas do Estado, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos , o sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania (ou seja, a forma democrática de escolha daqueles que nos devem governar), o pluralismo de expressão e organização política, a independência dos tribunais, etc. – não pode ser considerada ao mesmo nÃvel das referências ideológicas que, mais ou menos datadas, mais ou menos referenciáveis à direita, ao centro ou à esquerda, devem ser passÃveis de modificação simples através do voto livre e responsável dos cidadãos ; e, ao constatarmos também que os partidos da oposição não fizeram sobre aquela ocorrência o alarde que uma situação de quase golpe de estado parlamentar claramente merecia, ficamos também a saber que a Republica, a perspectiva fundamental (fundadora) do actual perfil político do nosso paÃs, a grande referência do nosso actual regime político , está hoje francamente descurada – e até esquecida – no discurso e na prática política corrente nacional ; e ainda que os principais partidos que constituem o panorama político português, embora se revejam e actuem num quadro de referências claramente democrático, afinal, dificilmente se assumem na matriz republicana do regime…!
Ã? esta a triste realidade – geradora ainda de outros descaminhos que nos merecem as mais sérias e crescentes reservas republicanas (11) – que tem vindo a ser enformada pelos discursos dominantes que, no seguimento da revolução de Abril, foram sendo produzidos e reproduzidos pela generalidade dos partidos político s, certamente mais sensÃveis a demarcar os respectivos espaços ideológicos de intervenção ou a gerir estratégias de poder que a valorizar um ideário republicano comum e a reforçar e aprofundar a dimensão republicana do regime político português.
4. COMEMORAR – DEFENDER E PROMOVER – A REPública
Meus amigos, meus queridos amigos e companheiros republicanos,
Se é certo que a nossa Republica está ameaçada ; verdade também é que somos nós, militantes republicanos assumidos, que detemos a especial responsabilidade de alertar os nossos concidadãos para os perigos que essa situação envolve e de trabalhar, com afinco, para neles acordar o interesse pela intervenção cÃvica, para neles suscitar a vontade da defesa do nosso regime republicano.
Assim sendo, o facto de já estarmos a seis anos da data do primeiro centenário da Revolução de 5 de Outubro de 1910 não pode deixar de ser aproveitado, por nós, para começarmos a desenhar e a desenvolver uma acção de comemoração da efeméride, um vasto programa que, precisamente, possa vir a constituir-se como um valioso contributo cultural e político para um oportuno processo de relançamento e revitalização da nossa Republica.
Contudo, para que esse objectivo seja atingido, a comemoração dos cem anos da Republica Portuguesa não se pode confinar, nem a Outubro de 2010, nem à mera exaltação do regime, nem à simples evocação de um conjunto de feitos, de datas e de heróis : cem anos decorridos sobre a Revolução de Outubro (12) e o inÃcio do regime republicano português, trinta anos passados sobre a Revolução de Abril e o reatamento da vida democrática no paÃs, aquele centenário deve ser assinalado com um larguÃssimo programa de eventos, cujos contornos, quer em duração, quer em extensão, quer ainda em alcance e influência, permitam fazer dele um grande acontecimento nacional, capaz de constituir pretexto e estÃmulo para, conjuntamente, como portugueses, nos perspectivarmos e nos assumirmos no quadro global deste inÃcio do séc.XXI.
Mais concretamente, tendo em vista a prossecução desse ambicioso objectivo, propomos aqui que a comemoração do Primeiro Centenário da Republica Portuguesa seja assumida num processo largamente participado – ou seja, num processo fortemente conduzido pela sociedade civil – e se constitua como um programa muito aberto e dinâmico, onde possam ter lugar multiplos eventos de marcada expressão cÃvica, com variados perfis, dimensões e valências e que, convenientemente repartidos por um perÃodo de tempo alargado de cinco anos (2005-2010) e profusamente distribuÃdos pela totalidade do território nacional, aspirem a alcançar – e mesmo a empenhar directamente – vastos e diferentes sectores da população do paÃs.
Tal como o conseguimos imaginar, esse programa deverá partir da constatação de que, em Portugal, desde há quase um século e com o sublime propósito de edificar uma sociedade conforme com o interesse comum, de uma sociedade que seja cada dia mais livre, mais justa e mais solidária, está em andamento um grande projecto político nacional que solicita cada português, individualmente, a não se deixar confinar ao estatuto de mero vassalo ou subdito de qualquer poder ou entidade majestática, mas a assumir-se, lado a lado e em estrita igualdade com todos os seus conterrâneos, como um autónomo, empenhado e activo obreiro daquele grande projecto, ou seja, como um cidadão do seu paÃs.
Sem pretendermos avançar aqui com uma explicação detalhada do programa que preconizamos para as comemorações do Primeiro Centenário da Republica Portuguesa – programa esse que está descrito num documento de trabalho (13) que estamos a remeter a um conjunto de entidades, quer oficiais, quer privadas, que se podem vir a interessar por colaborar na sua concretização – , deixamos aqui simplesmente apontado que o extenso e diversificado conjunto dos eventos que o devem integrar se deverá estruturar sobre dois grandes eixos temáticos:
a divulgação de uma leitura histórica da Primeira Republica Portuguesa, onde se reponha a verdade factual, objectiva e rigorosa dos acontecimentos que a marcaram e, desse modo, se contrarie a visão distorcida e negativa desse perÃodo que, construÃda e promovida pelos adversários da Republica, durante a vigência do Estado Novo, ainda teima em persistir numa opinião publica menos esclarecida;
a reafirmação das perspectivas e dos valores humanistas, bem como dos princÃpios e das posturas republicanas que, podendo sustentar uma leitura moderna, progressista e optimista do Homem, da Sociedade e do Mundo, se constituam como uma claro discurso alternativo aos enunciados derrotistas e à s perspectivas de decadência que, frequentemente, tendem a caracterizar o dealbar deste nosso século XXI.
5. CONCLUSÃ?O
Queridos concidadãos , queridos amigos,
As reflexões que, em nome da associação Republica e Laicidade, aqui vos vim trazer já vão demasiado longas e, assim sendo, deixem-me terminar agora com uma palavra de esperança.
Sabemos todos – é mesmo essa a razão de aqui estarmos, hoje, reunidos – que a Republica, que a determinação cÃvica/política de organizar racionalmente as sociedades em função do interesse geral e da justiça social, assegurando nelas, simultaneamente, a igualdade cÃvica dos indivÃduos que as integram e a sua máxima liberdade pessoal, pelas possibilidades que abre aos povos, pelo modo como emancipa e dignifica os seres humanos, cada dia mais se afirma como a solução política em que assentará o futuro da Humanidade.
A Republica Portuguesa não constitui mais do que um pequeno – mas decisivo – passo desse grande percurso do Progresso Universal da Humanidade ; contudo, é a nós, portugueses republicanos, que compete dar-lhe a força e o vigor de que ela necessita para, dia-a-dia, encontrar os melhores caminhos para se aprofundar e revitalizar.Sei que saberemos estar à altura dessa missão.
Ao trabalho, portanto !
E que VIVA A REPública!