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CARTA AO MINISTRO DA JUSTIÃ?A A PROPÃ?SITO DA COMISSÃ?O DE LIBERDADE RELIGIOSA

A associação cívica Republica e Laicidade (R&L) é, desde sempre e por questões de princípio por bons e fortes motivos republicanos e laicistas – , avessa à existência de uma Lei da Liberdade Religiosa no quadro jurídico português, bem como à existência na paisagem política portuguesa de uma Comissão da Liberdade Religiosa como aquela que resulta daquela Lei.

ver: Posição da R&L perante a LLR e a CLR | doc/R&L (pdf)

No termo do actual mandato da Comissão de Liberdade Religiosa e no seguimento da nomeação de Mário Soares como presidente da próxima Comissão, a associação cívica R&L endereçou ao Ministro da Justiça a seguinte carta:

Excelentíssimo Senhor

Ministro da Justiça da Republica Portuguesa,

Dr. Alberto Bernardes Costa

Praça do Comércio, 1149 – 019 Lisboa [gmj@mj.gov.pt]

04-07-2007

Excelentíssimo Senhor Ministro,

Na Associação Cívica Republica e Laicidade (R&L), assumimos e mantivemos, desde sempre, fundadas reservas quanto à existência, no quadro jurídico português, de uma Lei da Liberdade Religiosa (a Lei nº16/2001), assim como, a outro nível, sempre discordámos da existência de uma Comissão da Liberdade Religiosa, tal como aquela que essa lei veio institucionalizar no espaço político nacional – ver: Posição da associação R&L sobre a LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA e a COMISSÃ?O DA LIBERDADE RELIGIOSA, em anexo. [doc/R&L (pdf)]

Nesse enquadramento, no momento em que foi tornado publico o nome do Dr. Mário Soares como próximo Presidente da nova Comissão da Liberdade Religiosa a nomear brevemente – Comissão essa cuja composição integral ainda permanece publicamente desconhecida – , entendemos por bem vir transmitir a V. Exa. o balanço crítico que fazemos do mandato da anterior Comissão, fazendo votos para que, no quadro dos muitos condicionalismos existentes, o trabalho da próxima Comissão se possa desenvolver em moldes menos gravosos para a Democracia e para a Laicidade de que a Republica Portuguesa decididamente ainda carece e a que legitimamente aspira.

Ã? cabeça, temos que constatar o facto de a anterior Comissão da Liberdade Religiosa só muito palidamente ter espelhado aquela que é a realidade sociológica nacional em matéria de convicções – e de não-convicções – religiosas, já que, a par da excessiva representação de algumas e da ausência de representação de muitas outras Confissões e/ou Comunidades Religiosas presentes no país, dela também esteve excluída qualquer expressão dos portugueses ateus, agnósticos ou simplesmente «sem-religião» – ou seja, dela esteve totalmente excluída a representação daqueles que, segundo o ultimo censo da população, constituiriam, afinal, a segunda «opção» em matéria religiosa socialmente mais expressiva em Portugal.

No que respeita ao conjunto da actividade publica desenvolvida pela anterior Comissão da Liberdade Religiosa, entendemos ainda que ele não reflectiu, nem a diversidade, nem a conflitualidade religiosas, realmente existentes na sociedade portuguesa.

Na verdade, ao longo dos ultimos três anos, a par da discussão – de expressão planetária – da questão das relações entre religião e violência, em Portugal, teve lugar um acalorado e expressivo debate publico sobre as relações entre o Estado e a Igreja Católica Romana em torno da questão da persistência de símbolos religiosos e da realização de cerimónias religiosas católicas nas escolas publicas, bem como da presença, sistemática e proeminente, de dignitários católicos nas cerimónias oficiais do Estado (questão do Protocolo do Estado).

Nesses debates, esquematicamente, podem identificar-se três grandes «sensibilidades» a que, grosso modo, correspondem três grandes «grupos de opinião»: um primeiro grupo formado pelos portugueses católicos, um segundo grupo formado pelos portugueses adeptos de confissões religiosas não católicas (minoritárias) existentes no País – um grupo evidentemente muito matizado devido às diferentes perspectivas religiosas envolvidas – e um terceiro grupo constituído pelos cidadãos portugueses que, praticantes ou não de uma religião, estão activamente interessados na promoção e aprofundamento da Laicidade da Republica Portuguesa.

Lamentavelmente, a anterior Comissão da Liberdade Religiosa, na abordagem que fez da situação nacional e, designadamente, nos colóquios que promoveu, ignorou sempre, sistematicamente, a perspectiva da Laicidade do Estado – o regime constitucionalmente vigente na Republica Portuguesa, note-se – , nunca tendo aí incluído comunicações de qualquer defensor do «discurso laicista», antes convidando sempre intervenientes que aparentaram estar mais apostados em confundir o «laicismo» e a «laicidade» com posições (anti-laicistas) de ateísmo de Estado. Ã? ainda de sublinhar que, num país onde a prática religiosa regular, mesmo a católica, é manifestamente minoritária – só aproximadamente 20% da população pratica regularmente actos de culto – , jamais foi convidado a intervir naqueles colóquios alguém que não pertencesse assumidamente a uma comunidade religiosa. Tais opções tomadas pela anterior Comissão da Liberdade Religiosa traduziram-se, natural e objectivamente, pela grande limitação do contributo que ela pode dar para um efectivo debate nacional sobre princípios de alcance universal.

Constatados os manifestos desfasamentos entre a prática da anterior Comissão da Liberdade Religiosa e a realidade social portuguesa, não surpreende portanto que dessa Comissão emanem declarações e projectos inquietantes, como sejam os que resultam do documento apresentado, em Março deste ano, por Esther Mucznick e onde se afirma – recomendamos vivamente a inserção no currículo do estudo obrigatório das grandes religiões e doutrinas religiosas – – um projecto abertamente inconstitucional, por se pretender aplicável inclusivamente aos cidadãos sem religião – ou da intenção também anunciada pelo seu anterior presidente de – levar as religiões às universidades – , com o objectivo proselitista, absolutamente ilegítimo para uma comissão estatal, de obstar ao – afastamento da camada jovem da prática religiosa – .

Com a intenção de dar o nosso contributo cívico para o aprofundamento da Republica e da Laicidade no nosso País, solicitamos-lhe, pois, Senhor Ministro da Justiça, que tome em boa conta as questões e as perspectivas que agora aqui deixamos à sua consideração.

Com os nossos melhores cumprimentos,

A bem da Republica,

Luis M. Mateus (presidente da direcção)

Ricardo Alves (secretário da direcção)

acesso a: doc/R&L (pdf)