A Associação República e Laicidade lançou hoje uma petição pela Revogação da Concordata de 2004, assinada entre o Governo Português e a Santa Sé.

Pode assinar a petição no link seguinte:

https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=laicidade-sim

Se atingirmos 1000 assinaturas, a petição será publicada em Diário da República, com 2500 será discutida em comissão parlamentar, e com 7500 será discutida no plenário da Assembleia da República.

Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República,

Excelentíssimos senhores deputados e senhoras deputadas da Assembleia da República,

A Constituição da República Portuguesa de 1976 estabelece no artigo 41º que «as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado» (nº4), que «a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável» (nº1), que «ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa» (nº2), que «ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa» (nº3), também que «o ensino público não será confessional» (artigo 43º, nº3), e ainda no artigo 13º que «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» (nº1) e «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião» (nº2). A «separação das Igrejas do Estado» constitui um limite material de revisão constitucional (artigo 288, alínea c). A Constituição da República Portuguesa que todos devemos respeitar institui, através destas disposições, um Estado laico.

Considerando que a Concordata de 2004 entre a República Portuguesa e a Santa Sé:

  1. Reconhece o direito canónico nos seus artigos 9, 10 e 11 (entre outros), designadamente quanto à criação, modificação e extinção de associações, com efeitos no ordenamento jurídico português, uma discriminação relativamente a outras comunidades religiosas e que intromete no direito português normas que lhe são estranhas que partem de autoridades eclesiásticas e não das autoridades da República, ferindo a separação entre o Estado e a Igreja;
  2. No artigo 19 compromete a República Portuguesa a garantir as «condições necessárias» ao ensino da «religião e moral católicas» no ensino público, incluindo que a «nomeação, contratação, transferência e exclusão» dos professores respetivos do ensino público dependa de autoridades eclesiásticas, embora pagos pelo Estado e assim possam competir injustamente com os professores nomeados pela República, nomeadamente nos cargos de direção das escolas e dos agrupamentos, facilitando situações como a realização de cerimónias religiosas na escola pública, e criando ainda situações de segregação entre alunos por critérios de religião;
  3. No artigo 22 garante a «afetação permanente» a favor da Igreja Católica de um vasto património estatal do qual incumbem ao Estado as despesas de conservação, prometendo subsídios de facto a essa comunidade religiosa, e no artigo 23 promete o «apoio do Estado e de outras entidades públicas» à «salvaguarda, valorização e fruição dos bens da Igreja», o que significa a promoção desta comunidade religiosa pelo Estado;
  4. No artigo 5 estipula que os «eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério», uma proteção da confidencialidade eclesiástica que coloca a Igreja Católica acima da lei, concretamente quanto à investigação de crimes cometidos em contexto eclesial ou outro, isentando os eclesiásticos de prestarem declarações quando é claro que é urgente uma célere averiguação e julgamento dos responsáveis pelos milhares de vítimas de abusos sexuais e outros na Igreja Católica, segundo o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, divulgado em Janeiro de 2023;
  5. Nos artigos 26 e 27 estabelece um conjunto alargado de isenções fiscais que sonegam ao Estado uma considerável receita fiscal.

Todos os direitos necessários ao exercício de qualquer religião estão garantidos pela Constituição de 1976, lei fundamental do Estado português que garante os direitos de liberdade de religião e de culto, assim como as liberdades de expressão e de reunião. A Concordata não confere direitos: atribui privilégios.

Consideramos que o conjunto de privilégios atribuídos pela Concordata fere a laicidade constitucional, instituindo desigualdades entre cidadãos e entre comunidades religiosas e em muitas áreas tem resultado em limitações dos direitos de muitos cidadãos (católicos e não católicos) e numa instrumentalização do Estado central e local para a promoção simbólica e financeira do catolicismo. Quer a Concordata, quer a sua interpretação abusiva em muitas situações, chocam uma grande parte da população portuguesa, como se tem comprovado pelas reações ao escândalo do abuso sexual de menores, ao financiamento da jornada da juventude católica, e a outras situações de isenção ou favorecimento da Igreja Católica.

Por todas as razões acima mencionadas, os subscritores desta petição pedem à Assembleia da República que revogue a Concordata de 2004 entre a República Portuguesa e a Santa Sé.

Associação República e Laicidade