Memorial das Igrejas Protestantes a propósito da Lei da Separação da Igreja do Estado
Exmº Sr. Ministro da Justiça: Os abaixo assinados, representantes das diferentes igrejas cristãs evangélicas, vulgarmente chamadas protestantes, estabelecidas no território da República, tendo tomado conhecimento da Lei da Separação da Igreja do Estado, de 20 de Abril último, agradecem e folgam por tudo o que aquele diploma consigna a favor da liberdade de consciência, mas pedem licença para expor respeitosamente algumas dúvidas e dificuldades que o estudo da mesma lei lhes sugeriu, esperando de V. Ex.ª os necessários esclarecimentos e providências.
A doença de S. Ex.ª o Sr. Dr. Afonso Costa, que sentimos e cuja debelação temos pedido a Deus, fez, a par de outros obstáculos, que fôssemos adiando este nosso agradecimento e exposição.
Como os prazos da lei se aproximam, julgamos não dever adiar por mais tempo este nosso memorial e por isso o passamos a fazer.
A lei visou evidentemente estabelecer direitos iguais ou semelhantes para os crentes das diferentes confissões religiosas. Se, porém, alguns artigos não forem interpretados convenientemente, este fim, sem dúvida um dos mais belos da lei, não será atingido. Não queremos já referir-nos aos privilégios de que ainda fica gozando a Igreja Católica Romana, que entra na vigência da nova lei com milhares de templos construídos, com bens de alto valor, com recursos de toda a ordem, tudo cedido gratuitamente pelo Estado, que ainda lhe garante seminários privilegiados e avultada subvenção, traduzida em pensões para o seu clero. Limitamo-nos a fazer referência aos seus direitos, que ficaram garantidos por a lei ter em vista principalmente a maneira de ser católica.
Impedida por todos os modos a nossa natural expansão e oprimidos por uma perseguição desleal, que não deixou que o país conhecesse os nossos princípios e a nossa organização, achamos natural que a lei em muitos pontos desconheça a nossa maneira de ser, mas estamos certos de que a intenção que presidiu à elaboração do decreto de 20 de Abril há de ouvir as nossas razões e deixar tudo equitativamente esclarecido.
Vamos dar a V. Ex.ª uma ideia rápida da nossa organização.
As igrejas protestantes, tendo como único fundamento o Evangelho puro de Cristo, são essencialmente democráticas, chegando algumas a nem ter ministério organizado. A lei, nos artigos 15, 46 e outros, impõe a todos um ministério especial, uma hierarquia à parte. Mas nas Igrejas Evangélicas, longe de os temer, o povo deseja a colaboração dos seus ministros da administração das mesmas Igrejas.
Como as primitivas igrejas cristãs, os protestantes não procuram tempos de ostentação e podem celebrar o seu culto em qualquer lugar, ou seja num edifício próprio ou numa sala qualquer de um edifício destinado a outros fins. Não curamos de lugares benzidos para levar ao povo o verbo consolador de Cristo; e por isso muitas das nossas igrejas funcionam em edifícios ou parte de edifícios cedidos ou arrendados gratuitamente, que nos seriam negados diante da disposição dos artigos 30 e 31.
As igrejas protestantes lá fora vivem daquilo que livre, voluntária e diretamente lhes dão ou legam os seus fiéis, sendo em regra gratuitos os atos cultuais. Nós não conhecemos essas mil maneiras de dar ou deixar dinheiro para as nossas igrejas, tais como: indulgências, dispensas, confissões, festas, missas, sufrágios, etc., de que a Igreja Romana usa e que a lei ainda lhe deixou como meio de adquirir. Pedimos o direito de doar e testar livre e diretamente, visto não o termos podido fazer até agora e por isso quase não temos nem templos, nem seminários ou outra qualquer propriedade.
Impedidas até agora de possuir templos próprios por falta de capacidade jurídica, as igrejas protestantes portuguesas que conseguiram reunir algum pequeno capital edificaram-nas como sendo propriedades de particulares. Não será justo conceder-lhe agora uma isenção semelhante à do artigo 166?
(…)
Apresentado em Lisboa, pela Comissão, para esse fim eleita, e abaixo assinada, aos 16 de Junho de 1911. A Comissão