CARTA EUROPEIA DA LAICIDADE (versão resumida)
Às instituições europeias e nacionais, aos eleitos das diversas instâncias de governo (locais, regionais, nacionais, europeias), aos meios de comunicação social e, acima de tudo, aos cidadãos europeus,
A União Europeia necessita de instituições democráticas fundadas sobre a vontade expressa do povo e que, nos seus princípios e funcionamento, se devem basear numa ética cívica e social capaz de assegurar a harmonia entre as multiplas diversidades humanas de que a Europa pode retirar a sua riqueza e vitalidade.
Aquando da sua elaboração, a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (Nice, 2000) pouco teve em consideração as posições laicas. Hoje, no quadro do mundo globalizado em que vivemos, atendendo às perspectivas e modalidades requeridas pelo projecto de unidade europeia, o texto de uma futura Constituição deverá incorporar os princípios que se resumem na seguinte CARTA DA LAICIDADE:
Artigo 1º — Estrita separação do domínio público e da esfera privada
As instituições europeias, tal como os serviços publicos delas dependentes, devem assegurar a independência absoluta dos organismos oficiais da União perante as Igrejas, os cleros, e quaisquer influências confessionais ou comunitaristas. As responsabilidades administrativas, cívicas, sociais e educativas ligadas à União Europeia não deverão ser entregues a entidades privadas.
Artigo 2º — Liberdade absoluta de consciência, de pensamento e de expressão
No seio da União Europeia, a vida cívica, política, cultural e social deverá organizar-se no respeito de todas as liberdades individuais e colectivas associadas ao interesse geral e ao bem publico.
A legislação europeia deverá garantir o direito de acreditar ou não acreditar em certezas teológicas reveladas, bem como a liberdade de as contestar.
Em todos os Estados-membros da União, no quadro da lei civil instituída, deverá ser garantida a liberdade absoluta de expressão, de criação artística e de investigação científica.
Artigo 3º— Igualdade e unicidade dos direitos
Qualquer indivíduo, seja qual for o seu sexo, deve ter o direito e o dever de participar, em igualdade de direitos, na vida cívica, social e cultural : a lei comum europeia não deverá conter nenhuma limitação, nenhum privilégio resultante de particularismos confessionais, étnicos ou comunitários. O direito à diferença deverá ser exercido no respeito pela lei, e nunca poderá levar à diferença de direitos.
As disposições respeitantes ao estatuto da criança deverão ter em conta o seu futuro estado de cidadão livre e deverão protegê-la de todo e qualquer constrangimento mental ou físico imposto sob pretextos religiosos ou comunitários.
Artigo 4º — Tolerância mútua
As instituições europeias deverão incitar à tolerância mutua e ao respeito pelas opiniões e pelas diferenças étnico-culturais, na medida em que estas respeitem as disposições legais e democráticas que organizam a vida colectiva.
Elas devem recusar todo o laxismo perante as forças racistas e segregacionistas, quer seja no plano político, quer seja no quadro da vida social.
Artigo 5º — Primado do interesse geral; recusa de todo o pensamento único
A legislação e as instituições europeias deverão dar prioridade absoluta ao interesse geral, sem nunca legalizar ou permitir a instauração de privilégios particulares, de categoria ou de classe, nem se submeterem às reivindicações de grupos de pressão com vista à obtenção de vantagens abusivas.
Nesse espírito, a política económica, social e cultural da União nunca se deverá deixar submeter a um pensamento único ou dominante em benefício de castas privilegiadas.
Artigo 6º — Solidariedade entre povos
As instituições e os organismos europeus deverão incitar os governos nacionais e os organismos publicos e privados a suscitar práticas solidárias entre povos, Estados e categorias sociais, designadamente nos planos mutualistas, cooperativos, sindicais, associativos, por mais diferenciados que possam ser esses estados do ponto de vista dos seus níveis e sistemas económicos, sociais e culturais.
Artigo 7º — Emancipar o cidadão dos constrangimentos comunitaristas
Nos domínios das suas competências, as autoridades eleitas das instituições europeias, bem como as que delas dependem, deverão evitar fundar as suas acções e as suas políticas em concepções cujo modo de aplicação constitua um entorse ou uma limitação aos valores constitutivos do humanismo laico e das suas modalidades práticas.
Em todas as situações, elas deverão considerar o indivíduo-cidadão como o elemento fundamental da vida cívica e social no seio da União.
Artigo 8º — Livre difusão e expansão dos valores laicos
O Humanismo laico, fundado no respeito por todas as crenças e opiniões, nos direitos individuais e colectivos, nas liberdades fundamentais e sempre assente em leis democráticas, deverá ser estritamente respeitado pelas autoridades e instituições europeias, a quem também deverá caber facilitar a sua promoção e difusão, tendo em vista o interesse geral e a coesão social.
Artigo 9º— A laicidade, garante da paz civil e da harmonia social na Europa
Todos os espíritos amantes da liberdade, da tolerância, da independência e da justiça podem aceitar os valores filosóficos, éticos, morais, sociais e cívicos que fundam o humanismo laico : existe, pois, uma vocação universalista, tendo em conta as soluções positivas e oportunas que ele propõe para inumeros problemas sociais e cívicos que se colocam à maioria dos países da Europa.
Artigo 10º — Pela emergência de uma cidadania laica europeia
A existência de uma vasta comunidade de interesses entre os indivíduos e os povos, a necessidade de uma sólida coesão perante ameaças comuns, a associação possível das heranças culturais e cívicas, a vontade de pôr em prática os mesmos valores de vida comum, constituem motivos poderosos para fazer emergir uma cidadania europeia. Esta, sem se substituir ao legítimo sentimento nacional, deverá ligar os povos e as opiniões publicas num apego partilhado ao devir comum e numa perspectiva de cooperação internacional pacífica, impregnada de valores laicos.