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O jornal «Correio do Minho» publica hoje este interessante e oportuno texto:

FALTA CONCRETIZAR A REPública

Comemora-se a 5 de Outubro próximo mais um aniversário da implantação da Republica Portuguesa, mais concretamente o nonagésimo sétimo. No entanto, apesar de se tratar de uma data já enraizada na nossa sociedade, muitas pessoas continuam a passar ao lado do real significado deste dia, teimando em circunscrever esta alteração profunda da nossa sociedade a uma mera mudança de agentes político s.

Mas na verdade foi mais do que isso. Foi, indubitavelmente, muito mais. A Republica traz consigo um conjunto de valores seculares da maior importância, que foram decisivos para a alteração a nível mundial dos padrões sociais, que permitiram a passagem de uma sociedade tradicional, refém de cultos e classes, para uma sociedade moderna e progressista, onde o homem comum desempenha o papel principal.

Esta mudança afectou inclusive as próprias monarquias hoje existentes, nomeadamente as ocidentais, que se foram, de alguma forma, republicanizando, absorvendo o ideário republicano nas suas constituições, transferindo o poder dos monarcas para os parlamentos democraticamente eleitos, limitando-lhes o papel a algo quase simbólico nos dias de hoje.

Ã? claro que em muitos casos, nomeadamente em países em vias de desenvolvimento, o uso vão da palavra Republica serviu também para fazer exactamente o contrário, isto é, colocar ditadores à frente dos destinos de alguns países via – vontade popular – , governando como autênticos monarcas, de forma autocrática, subvertendo os elementares princípios republicanos.

Ã? assim evidente que confrontar nos dias de hoje republica e monarquia no plano das diferenças entre os Estados é inconsequente. As verdadeiras diferenças estão nos princípios de governação e na sua interiorização pelos cidadãos , independentemente do modelo assumido. De facto em Portugal temos um excelente exemplo disso mesmo, com a ditadura de Salazar, na qual o país oficialmente se assumia como Republica, mas na prática abandonava quase na íntegra os valores que presidiram à sua implantação,  como por exemplo a laicidade e a legitimidade democrática do Estado.

E se Abril de 74 veio recuperar muitos desses princípios adormecidos pela longa ditadura, a verdade é que de algum modo ainda falta concretizar a Republica na sua totalidade, nomeadamente no que toca à subordinação do interesse individual ao colectivo.

Compreendo que tal desígnio pareça complicado, sobretudo atendendo à cada vez maior competitividade existente num mundo globalizado, onde as pessoas instintivamente pensam cada vez mais em si em detrimento da colectividade.

No entanto, se fizermos uma análise atenta, facilmente constatamos que as sociedades que apresentam os melhores índices de desenvolvimento humano são precisamente as que demonstram maiores níveis de participação colectiva, onde o cidadão anónimo é parte integrante da tomada de decisão, onde o interesse colectivo é, de forma livre, colocado invariavelmente à frente do interesse individual.

E isto demonstra-nos inequivocamente a actualidade do pensamento republicano e a nossa necessidade, enquanto país, de concretizarmos a implantação que se iniciou há 97 anos, celebrando a Liberdade, como direito fundamental do homem, a Igualdade como Lei, perante a qual todos somos iguais, a Laicidade do Estado como  garante unico da liberdade de culto, respeitadora das crenças de cada um e inimiga da intolerância, a Democracia como instrumento de participação plena dos cidadãos na vida comunitária, o Interesse Colectivo como unica forma de garantirmos a prosperidade das gerações actuais e futuras.

Os ideais republicanos ensinam-nos a pensar além de nós próprios, a ter uma atitude mais interveniente, mais altruísta, em prol da sociedade de hoje e de amanhã. Vamos aplicar esses ensinamentos. A Republica portuguesa está aí, à espera de ser concretizada, por cada um de nós, para todos nós.

Artur Boaventura da Silva