Ecos
«Não sei o que levou as Novidades a fazer a suposição que eu enjeitaria o eco aqui publicado sobre a atitude política do Catolicismo português. Apenas uma unica expressão eu não subscreveria inteiramente, mas isso em nada altera, como se vai ver, o meu acordo fundamental. Essa expressão é aquela que pretende erguer uma barreira absoluta entre o mundo de César e o de Cristo. O meu idealismo político consiste precisamente em destruir essa barreira. Concebo, julgo mesmo necessário que os sacerdotes de Cristo, e o mais alto, o pretenso representante de Cristo na terra, intervenham em certos momentos de crise na vida política do mundo para defender Cristo contra César. Mas ai! não é a Cristo, é a César que eu os tenho visto defender. Não são eles nacionalistas, não sobrepõem eles os Entes colectivos ao individualismo cristão, que consideram um mal e uma mentira, não são os inimigos da verdadeira liberdade, não são o desmentido perpétuo, a inversão completa do Verbo e do EspÃrito de Cristo? Nunca os vimos condenar nenhuma violência quando essa violência foi exercida contra os que eles julgam seus inimigos – e que, na sua maioria, são apenas os inimigos dos inimigos de Cristo. Quem é que eles hoje exaltam acima de todos os habitantes deste pobre globo? A Mussolini, suma essência do espÃrito anticristão…
Diz o articulista que defende, ele também, a liberdade. Sim, a liberdade de ser católico. Mas uma liberdade que se condiciona é precisamente o contrário da liberdade. Não é essa a liberdade que me interessa, mas a liberdade de todos os homens, católicos e não católicos – em face das Igrejas, das Corporações, das Oligarquias e dos Poderes. Não, nada há de comum entre o meu conceito de liberdade, que é cristão e universal, e o conceito que dela forma a maioria, não digo dos católicos, mas dos sacerdotes portugueses, que é o de Nero, de Torquemada, de Calvino, de Pio XI, de LuÃs XIV, de todos os históricos opressores da consciência humana. Ser liberal, sinceramente liberal, é ser capaz de defender, mais ainda do que a própria liberdade, a liberdade do adversário. Como têm defendido a liberdade dos seus adversários os católicos portugueses?»
(Raul Proença, Seara Nova nº250, 11 de Junho de 1931)