Nas «Cartas ao Director» do Público:

LAICIDADE… E HUMANIDADE

Os jornais noticiam que um movimen­to chamado “República e Laicidade” se insurge e exige medidas das autoridades contra as excursões de idosos a Fátima, organizadas por alguns municípios, chamando-lhes “práticas de caciquis­mo local, assentes em escandalosa pro­miscuidade entre política e religião”. O movimento alega que, ao custear os passeios a Fátima, os municípios estão a violar o princípio da laicidade do Estado e da liberdade religiosa.

Com o ardor de todos os fundamenta­listas o referido movimento confunde duas questões completamente diferentes: a legitimidade de as câmaras oferecerem excursões a idosos; a legitimidade de o destino ser Fátima.

Num país como é felizmente o nosso, em que os órgãos do poder local são democrati­camente eleitos pelos cidadãos, poderemos pôr ao leitor as seguintes questões:

– É legítimo privar os idosos do conce­lho de alguns momentos alegres nas suas vidas tristes que lhes podem ser propor­cionados nestas excursões feitas à custa das contribuições dos munícipes ou seja, do leitor desta carta, entre outros?

– É legítimo obrigar os idosos a não irem onde eles querem, substituindo, por exemplo, Fátima pela visita ao monumento a Bernardino Machado em Famalicão?

– É legítimo supor que as excursões de idosos têm mais intenção e efeito elei­toralista do que as algumas rotundas e “requalifìcações”?

Ficam postas ao leitor estas três ques­tões. Se as respostas forem “não”, mande passear os fundamentalistas do laicismo. Como todos os fundamentalistas, eles ignoram a democracia e desprezam a humanidade na sua essência real.

António Sarmento – Porto

[jornal «Público», 26/09/06, p.4]

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