«Na discussão levantada pelo semanário monárquico «Debate» e pelo diário, da mesma cor política, «A Voz», sobre as revoluções que os seus correligionários fizeram, atribuindo-as exclusivamente aos republicanos, da qual ficam arquivados neste livro os passos principais, inseriu-se a da frase atribuída ao dr. Afonso Costa que, segundo os detractores da República e caluniadores dos republicanos, teria dito, em mais de um lugar e de uma ocasião, que com a Lei da Separação se propunha extinguir a religião católica em Portugal, em duas ou três gerações. Nunca os autores dessa mentira esclareceram onde, quando e como a frase foi proferida. Nos textos, invocados em abono da falsa asserção, por mais conhecidos que sejam os seus autores, não se vislumbra rasto autêntico dela. Em vez desse rasto, que poderia encaminhar-nos para a descoberta da verdade, encontramos versões contraditórias e desmentidos, entre os quais o do próprio estadista republicano, perante o qual devia cessar a campanha feita à volta de palavras que não disse.
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Segundo os autores da campanha, a frase teria sido proferida em três locais diferentes: em Lisboa, na sede do Grémio Lusitano (Maçonaria), em Braga e no Porto, respectivamente em 26 de Março, 24 e 25 de Abril de 1911. Esta coincidência é inconcebível. Ninguém acredita que um orador como Afonso Costa, de notórios recursos e palavra fácil, que improvisava os seus discursos, proferisse textualmente a mesma frase, usando os mesmos termos em três locais e três datas diferentes. Acontece, além disso, que do discurso proferido por Afonso Costa no Grémio Lusitano, dada a natureza desta agremiação, não há relato jornalístico, a não ser a versão fantasiada do “Tempo”, logo desmentida por jornalistas que, não nesta qualidade mas como membros do Grémio, assistiram à sessão. Quanto aos discursos que proferiu, nas datas atrás indicadas, em Braga e no Porto, dos quais há relatos nos jornais de Lisboa e do Porto, não figura em qualquer deles a frase e, pelo contrário, figuram afirmações que são o contrário daquela que, sem provas, lhe atribuíram.
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Não há relato jornalístico da frase atribuída ao dr. Afonso Costa e há, publicado na Imprensa, o desmentido.
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Nas vésperas da publicação da Lei da Separação, o seu autor fez sobre ela uma conferência no Grémio Lusitano, ainda em Março de 1911. O «Dia», invocando uma reportagem fantasiada do «Tempo», pôs na boca de Afonso Costa aquela afirmação absurda e imprópria da sua inteligência. O caso foi logo esclarecido. Jornalistas que assistiram à sessão do Grémio Lusitano reproduziram fielmente o que Afonso Costa disse e foi o seguinte: “Com o seu aspecto mercantil e degradante, consequência da influência dos jesuítas, aspecto a que emprestaram o seu selo as congregações e a Companhia de Jesus, a continuar esta situação em breve a religião católica entre nós se extinguiria”. Foi isto que Afonso Costa disse e está arquivado nos jornais da época e em livros que do incidente se ocuparam, como a obra do dr. Eurico de Seabra, «A Igreja, as Congregações e a República», pág. 1109 e seguintes. Ao falar em Santarém, Afonso Costa referiu-se à tola acusação que lhe faziam os monárquicos, dizendo: “Os reacionários, à falta de argumentos, atribuíram-me a intenção de, servindo-me da Lei da Separação, querer acabar com a religião católica entre nós ao fim de duas ou três gerações!” E acrescentou, depois de desmentir categoricamente a baboseira: “A verdade não é que a República queira mal à religião católica ou outra, mas que aquela entrou numa fase de decadência, em Portugal e na Europa, por culpa dos seus servidores. Isto escrevi eu já em 1895 no meu livro «A Igreja e a Questão Social». A Lei da Separação, em vez de ferir a religião católica, pretende que ela viva à margem da agitação política e procure ressurgir, pura e respeitável, pela fé e bondade dos seus sacerdotes”. Esta alusão entendia-se com a actividade política da parte do clero que, nos últimos tempos da monarquia, combateu o partido republicano e em seguida colaborou em movimentos monárquicos para derrubar o regime.
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Nunca Afonso Costa disse que se propunha extinguir, em duas ou três gerações, a religião católica em Portugal. Repetimos o que ele disse no Grémio Lusitano e foi textualmente o seguinte: “Com o seu aspecto mercantil degradante, consequência da influência dos jesuítas, aspecto a que emprestaram o seu selo as congregações e a Companhia de Jesus, a continuar esta situação, em breve a religião católica se extinguiria”.»
(Excertos do texto das páginas 147-163 do livro «Desfazendo Mentiras e Calúnias», de Carlos Ferrão.)
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«O texto dos discursos, proferidos nessa época pelo dr. Afonso Costa, é contrário à baboseira que lhe atribuem os monárquicos. Falando em 2 de Fevereiro de 1911 dizia aquele republicano, ao aludir à lei que preparava: “A Lei será promulgada para bem da própria religião e dos portugueses que são religiosos. Aos jesuítas e às congregações castigá-los-á, mas sem ódios. À Igreja e ao sentimento religioso a República não quer fazer mal algum.” No discurso do Porto, em 25 de Abril daquele ano, disse, segundo o relato dos jornais noticiosos da época: “Fez a apologia de Leão XIII que não deixou seguidores nem respeitadores da sua obra, e acrescentou: «A Lei da Separação deixa à vontade o crente mas não permite aos ministros da religião que obrigue alguém a exercê-la ou impedi-la. O meu desejo é que todos – livre pensadores, católicos, protestantes – tenham a mesma liberdade de manifestar as suas convicções. O governo da República não impedirá o culto desde que não sejam atacadas as crenças alheias ou as leis do Estado. Em todas as povoações onde puder existir o culto católico, ele existirá.» Eram deste teor as afirmações do ministro da Justiça do governo provisório, autor da Lei da Separação, quando visitou Braga e o Porto, numa altura em que parte do clero das provincías do Norte seguira para a Galiza, a fim de tomar parte nas incursões, e outra parte alimentava, dentro do país, a rebelião contra a República e as suas leis.»
(Idem, pag. 198-199.)
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«Em 10 de Novembro de 1912 o dr. Afonso Costa, no discurso que proferiu em Santarém, desmentiu a frase que lhe fora atribuída, a ela se referindo, ironicamente, nos seguintes termos: “Passaram dois anos sobre a promulgação das leis da minha autoria pelo governo provisório. Essas leis estão a executar-se, serenamente, sentindo cada qual que há em Portugal liberdade de consciência para os católicos e para os que o não são. O propósito dos críticos dessas leis não era bom, pois nunca eles se importaram em as aperfeiçoar, mas em as inutilizar. Isso aconteceu com a Lei de Separação. Os reaccionários, à falta de argumentos insuspeitos, atribuíram-me a intenção de querer acabar, mediante essa lei, com o Catolicismo em Portugal em duas ou três gerações. A verdade é que a Lei não faz mal ao Catolicismo, mas que este vivia, antes dela, em Portugal, uma vida artificial. A verdade não é que a República queira mal a qualquer religião, mas que o catolicismo está decadente, sobretudo na Europa, por culpa dos seus maus servidores. Já em 1895, no meu livro «A Igreja e a Questão Social»o acentuei, mostrando como a própria Igreja preparava a sua ruína com o seu desafio à ciência, à civilização e ao progresso. Em vez de ferir a religião, a Lei permite à Igreja Católica viver longe da agitação política, procurando ressurgir, pura e respeitável, pela fé e pela bondade dos seus sacerdotes. As leis do governo provisório, a que liguei o meu nome, longe de serem violentas e irreflectidas, contribuíram para a defesa da República e para a estabilidade do País, arredando os embaraços que clericais e jesuítas, tendo acorrentado e subordinado a Igreja, espalharam em volta de si. São necessárias e úteis essas leis e, se alguém quiser sinceramente melhorá-las, que seja benvindo! A República só terá a lucrar com isso.”
Foram estas as declarações do político da República acusado de querer acabar com a religião católica em Portugal em duas ou três gerações! Alguém acredita que ele opusesse a si próprio, em tão curto espaço de tempo, um categórico desmentido a afirmações produzidas pouco antes, desmentido que, a corresponder à realidade, o desacreditaria como homem de Estado e chefe de um grande partido democrático?»
(Idem, pag. 283-285.)
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«Escrevendo em 1912, na sua obra “Política republicana em matéria eclesiástica” o dr. Alberto Xavier, amigo e colaborador do dr. Afonso Costa, em cujo partido militou, dizia numa clara alusão à baboseira atribuída àquele ilustre republicano: “O anticlericalismo não é perseguição a qualquer confissão religiosa ou guerra ao Catolicismo, como crença e como culto, ao seu clero como organização hierarquizada e infalível, encarregada da missão de difundir a fé cristã no Universo. Muito menos comporta a ideia de uma política ateísta, isto é, materialista, de negação e combate aos sentimentos religiosos. Seria absurdo e temerário, inconcebível e revoltante, o Estado tentar aniquilar qualquer crença ou confissão religiosa, todo o culto ou qualquer culto. Isso seria tão monstruoso e inadmissível como querer modificar a vida de sociedade nas formigas e abelhas ou inculcar de súbito nos selvagens africanos as noções europeias de família e de Pátria. Não é assim que se compreende o anticlericalismo. O Estado republicano e os seus governos pretendem, simplesmente, proclamar a supremacia do poder civil pelo respeito de todas as religiões e garantir a liberdade de desenvolvimento de todos os cultos, dentro de um Estado que adquiriu a sua plena soberania política e moral.”»
(Idem, pag. 285-286.)
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«Em Setembro de 1911, dizia João Chagas: “O governo quer acentuar que o não inspiram propósitos de hostilidade contra qualquer confissão religiosa, porque considera inviolável o princípio da liberdade de consciência. Não são os republicanos que confundem a religião com a política, são os inimigos do novo regime e da Pátria que pretendem manter esse criminoso equívoco para que não se efective a pacificação moral que a democracia deseja ardentemente realizar”. O seu sucessor, Dr. Augusto de Vasconcelos, usou de palavras idênticas para exprimir o mesmo pensamento em Novembro de 1912, ao dizer: “O governo fará a mais decidida política anticlerical com o respeito devido a todas as crenças e confissões religiosas”. Esta foi a política decidida, não apenas pelo dr. Afonso Costa, mas pelos sucessivos governos republicanos, depois da saída do poder.»
(Idem, pag. 287.)